“Meu médico receitou um anticonvulsivante e um antidepressivo para tratar dor crônica. No entanto, não tenho depressão e nem convulsão. Devo tomar esses remédios controlados?”
O QUE É DOR CRÔNICA?
A pessoa que sente dor por mais de 3 meses seguidos apresenta, por definição, dor crônica.
Na maioria desses casos já existem mecanismos envolvidos na percepção da dor que impedem a resolução do problema apenas pela eliminação do evento que desencadeou a dor inicialmente.
Por exemplo, uma pessoa que tem hérnia de disco lombar, não fez o tratamento correto e sofre com a dor há mais de 3 meses, dificilmente resolverá o seu problema apenas com o tratamento da hérnia de disco.
Isso acontece por um mecanismo de sensibilização do sistema nervoso central (SNC) e aparecimento da dor neuropática: concomitante ao estímulo doloroso estabelece-se uma geração de sinal doloroso dentro do SNC, que acaba se tornando independente com o tempo e a continuidade do evento inicial.
Um aumento da função dos circuitos neuronais acabam criando uma “memória da dor”, ou seja, as vias nervosas se adaptam à inflamação persistente e à lesão neural.
De uma forma semelhante a quando fazemos alguma coisa várias vezes e começamos a fazê-la sem perceber.
Por exemplo, andar ou dirigir um carro fica fácil e automático porque o nosso SNC se adaptou e criou um circuito neuronal rápido para tais atividades. Um circuito neuronal criado para a percepção de dor é um grande problema.
Parece que a minha dor lombar está piorando com o tempo. Agora, só de encostar na região eu já sinto dor. Alguma coisa deve estar piorando na minha coluna.
Sem dúvida, quando ocorre uma alteração dos sintomas deve-se investigar a presença de uma lesão que esteja piorando o problema.
No entanto, a percepção da dor está sujeita a complexas influências (positivas e negativas) e a presença de dor por muito tempo acaba por diminuir o limiar da dor, aumentar a duração e intensidade do seu sinal e permitir que estímulos geralmente inocentes também gerem dor.
O QUE É POSSÍVEL FAZER PARA EVITAR ESSA DOR NEUROPÁTICA?
O mais importante é tratar da melhor forma e o mais rápido possível o evento desencadeador da dor, pois muitas vezes pode-se prevenir a transformação do problema em dor crônica.

Alguns pacientes são mais susceptíveis a desenvolver a dor neuropática por apresentarem alguma condição clínica que já tenha sensibilizado o SNC.
Nestes casos, vale a pena considerar o tratamento com medicamentos específicos desde o início do quadro.
“Meu médico receitou um anticonvulsivante e um antidepressivo para tratar dor crônica. No entanto, não tenho depressão e nem convulsão. Devo tomar esses remédios controlados?”
Os antidepressivos são excelentes medicamentos contra as dores crônicas especialmente por atuarem contra a sensibilização do SNC, fortalecendo as informações enviadas pelo cérebro para que a dor não seja percebida.
Os anticonvulsivantes também são utilizados para muitos tipos de dor neuropática e estão indicados em alguns casos de dor crônica.
As doses destes medicamentos quando utilizados para tratar depressão e epilepsia são bem maiores. Apesar do tratamento da depressão não ser o objetivo na maioria dos casos, não é incomum que sintomas depressivos apareçam no contexto da dor crônica.
COMO UTILIZAR OS ANTIDEPRESSIVOS E ANTICONVULSIVANTES?

Tanto os antidepressivos como os anticonvulsivantes podem trazer efeitos colaterais, que na maior parte das vezes é leve ou moderado. Por isso, eles devem ser introduzidos gradativamente.
Nas duas primeiras semanas, as medicações podem ser prescritas abaixo da dose terapêutica, para que o organismo se adapte à medicação. A introdução poderá ser feita à noite, já que a sonolência é comum no inìcio.
Pode levar algumas semanas até que o paciente sinta os efeitos sobre a dor. Não faz sentido, desta forma, interromper o uso da medicação nos primeiros dias em decorrência da falta de efeito.
Os anticonvulsivantes são prescritos quando o médico julgar que o efeito isolado dos antidepressivos estiver aquém do desejado.
O paciente com dor crônica precisa de um tratamento multidisciplinar envolvendo fisioterapia, exercicios fìsicos, psicoterapia entre outras coisas, além do uso de medicamentos.
Quando o médico julgar que o componente neuropático da dor tiver sido bem controlado, a medicação será progressivamente descontinuada, evitando-se a retirada súbita das drogas.
QUAIS SÃO OS ANTIDEPRESSIVOS INDICADOS NA DOR CRÔNICA?
Os antidepressivos e os anticonvulsivantes são classificados com base em sua estrutura química e em como eles funcionam.
Existem diferentes tipos de medicamentos, com diferentes mecanismo de ação e diferentes efeitos colaterais. O médico deverá avaliar qual o melhor antidepressivo para cada caso.
- Antidepressivos tricíclicos: amitriptilina, nortriptilina (Pamelor).
- Inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (SNRIs): duloxetina (Cymbalta);
- Anticonvulsivantes: gabapentina (Neurontin), pregabalina (Lyrica).
QUAIS OS EFEITOS COLATERAIS DOS ANTIDEPRESSIVOS OU ANTICONVULSIVANTES?
Cada classe de medicamento é mais propenso a dar certos tipos de efeitos colaterais, sendo este inclusive um dos fatores que devem guiar o médico para decidir qual o medicamento mais indicado para cada caso.
Alguns dos efeitos comuns a estes medicamentos incluem:
- Visão embaçada;
- Sonolência;
- Boca seca;
- Náusea;
- Tontura ao levantar;
- Ganho de peso;
- Pensamento lentificado;
- Prisão de ventre;
- Dificuldade em urinar;
- Problemas de ritmo cardíaco;
- Problemas na relação sexual.
Estes efeitos são até certo ponto esperados com o uso dos antidepressivos ou anticonvulsivantes. A introdução deve ser gradativa, justamente para minimizar estes efeitos colaterais. Converse com seu médico antes de descontinuar a medicação em decorrência deles.
Referência
- Nery SM. Atualização terapêutica em dor crônica e o uso de Duloxetina. Wolters Kluver. São Paulo 2010.
- NICE CLinical Guideline. Neuropathic pain: the farmacological management of neuropathic pain in adults in non-specialist settings. Draft for consultation, Oct, 2009.
- Amato – Instituto de Medicina Avançada